Pré-modernismo

Tido como um movimento do final do século XIX até meados do século XX, o Pré-modernismo não é considerado pelos estudiosos uma escola literária propriamente dita, dada a sua pluralidade temática e ausência de uniformidade quanto às características e obras. Sendo, então, estudada como um período de transição entre o Simbolismo, marcado pela musicalidade -assonância e aliteração- e pelo misticismo, e o Modernismo, a escola que revolucionou a literatura da época.

Contudo, mesmo nem todos os autores tendo abordado a mesma temática e não tendo feito uso dos mesmo recursos estilísticos, alguns traços podem ser salientados, tais como:

  • Apresentação de novos protagonistas: pessoas comum; trabalhadores, sertanejos, mulatos, caipiras.
  • Linguagem simples e coloquial.
  • Negação do rebuscamento e pompa parnasianos.
  • Exposição da realidade social brasileira.
  • Desejo de entender o Brasil.
  • Crítica social e econômica.
  • Explicitação da perspectiva do oprimido.
  • Temática influenciada por fatos históricos, socioeconômicos e políticos.
  • Características regionalistas e nacionalistas.
  • Ruptura com as idealizações.

Seu início foi oficializado como o ano de 1902, com a publicação do livro Os Sertões de Euclides da Cunha, e seu término foi em 1922, ano em que aconteceu a Semana da Arte Moderna, que inaugurou o Modernismo no país.

 

 MPB

Anos após o seu término vestígios do Pré-modernismo ainda podem ser identificados e cenários diferentes da literatura da época, como por exemplo, a MPB. E um bom exemplar disso é a música Asa Branca, composta em 1947 pelo Rei do Baião Luiz Gonzaga em parceria com o compositor Humberto Teixeira, e que retrata o sertão brasileiro e o sofrimento que é viver nessa região.

Asa Branca – Luiz Gonzaga  (com marcas da oralidade cantada)

Quando oiei a terra ardendo
Qua fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, uai
Por que tamanha judiação

Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por farta d’água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão

Até mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Então eu disse adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração

Hoje longe muitas léguas
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Para eu voltar pro meu sertão

Quando o verde dos teus oio
Se espalhar na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração

 

Em uma análise estrofe à estrofe é possível chegar ao panorama:

1º estrofe: Logo na primeira estrofe da música o autor compara o calor nordestino com a fogueira de São João; um calor muito intenso, que faz com que a terra se torne extremamente seca e improdutiva. É mostrado também o lado religioso dos nordestinos, que pedem à Deus uma explicação do por que de tanto sofrimento.

2º estrofe: Aqui já é visto o retrato da seca, que mata as plantações e os animais, retirando dessas pessoas seus únicos meios de sobrevivência.

3º estrofe: Quando até mesmo a asa branca, uma pomba migratória popular no Nordeste e símbolo de esperança de chuva, deixa o sertão o sertanejo decide que é hora dele próprio sair em busca de uma vida melhor, longe da seca. Para isso, entretanto, ele tem que deixar Rosinha, que aparentemente é seu amor. Para tanto, pede que ela guarde consigo eu coração, símbolo de seu amor e sua essência. Ao menos parte dele permanecerá em sua terra.

4º estrofe: Logo após a migração, possivelmente para o sudeste, a personagem sente uma infeliz solidão provocada pelas saudades de sua casa.  E ainda mantém o sonho da chuva molhar a terra de seu sertão para, então,  ele poder voltar.

5º estrofe: O cantor se dirige, possivelmente, à sua amada e pede para que ela não chore quando olhar a plantação definhando, assegurando-a  de que voltará para ampará-la.

 

Na música também pode-se fazer uma comparação entre o sertanejo e a asa branca. Assim como a ave, o nordestino não tem escolha mediante a seca e suas consequências a não ser migrar na esperança de condições melhores de vida. Se por um lado o pássaro está em constante migração e sempre tem de reconstruir seu ninho, esse homem castigado pela falta de água é obrigado à viver como um “nômade” submetido às intempéries da estiagem.

Outra possível crítica implícita está nas palavras gramaticamente erradas, que evidenciam a precariedade da educação básica da população residente da porção nacional mais ao trópico, e constituem mais um problema social da região.

 

A música e o Pré-modernismo

Como já foi mencionado antes, traços pré-modernistas podem ser vistos na canção. Mas especificamente:

  • O protagonista é um homem comum e sofrido: o sertanejo.
  • O enfoque é a realidade do homem do sertão e não a elite.
  • Não há idealização, apenas a descrição da realidade.
  • A linguagem é simples e coloquial, com marcas de oralidade; sem rebuscamentos ou coisas do gênero. À exemplo de .oiei, Qua, uai,
    fornaia,prantação.
  • Tem como tema um problema social: a seca
  • Apresenta características regionalistas e nacionalistas ao falar de uma região brasileira específica – o sertão- e incluir um elemento da cultura popular, a fogueira de São João, e a religiosidade do povo, que pergunta à Deus a causa de seu sofrimento.
  • O ponto de vista destacado é o do oprimido; do homem sofrido e castigado pela seca.
  • Há, de certo modo, uma crítica implícita, pois ninguém vem ao auxílio do sertanejo. Sua única opção é fugir do problema que não pode mudar.

 

Como última nota sobre o assunto é primordial estabelecer a relação entre a música e o livro Os Sertões, sendo que ambos tratam do sertão, da seca e da miséria e sofrimento vividos pela população dessa região. Nos dois há a presença da terra (uma terra ardendo e improdutiva) e do homem (o sertanejo que é um guerreiro em meio ao ambiente hostil). Apenas a luta é distinta, já que no livro é a Guerra de Canudos e na música é da população contra as condições adversas. E assim como Lima Barreto, o estilo usado por Gonzaga é coloquial, despojado e fluente.

Além do vínculo entre a canção e a obra Retirantes de Candido Portinari. Mesmo a pintura não sendo integrante do Pré-modernismo e sim de uma Vanguarda, pode-se facilmente dizer que ela é materialização da composição de Gonzaga: uma família pobre migrando na esperança de fugir da seca que assola sua terra.

 

Conclusão

O Pré-modernismo, mesmo tendo apenas a alcunha de fase de transição entre as escolas literárias do Simbolismo e do Modernismo propriamente dito, estende suas influências para além das obras literárias e de sua época. Anos após seu término ainda é possível identificar particularidades suas em outras expressões, como a música. Um exemplo pertinente é a canção Asa Branca de Luiz Gonzaga, que conta com mais de quinhentas interpretações e é tida como a segunda mais marcante do século XX.

A composição tem como tema central a seca que assola o sertão e castiga o sertanejo. Nela a ave asa branca é um símbolo de esperança e presságio de chuva, então quando até mesmo ela migra é chegado o momento do nativo conquistar uma vida mais digna longe de sua terra.

Sendo que as semelhanças mais marcantes com o Pré-modernismo são, antes de mais nada, a temática da seca – que é um problema social brasileiro, o relato feito pelo ponto de vista do homem comum e desafortunado, a linguagem simples, coloquial  e sem rebuscamento, marcada vez ou outra pela oralidade; é livre de idealizações e em parte, regionalista e nacionalista.

Portanto, Asa Branca não somente é um sucesso musical, como também um holofote sobre um grave problema brasileiro e um válido objeto de estudo sobre as influências pré-modernistas na produção cultural.

 

 Autoria de: CAIO MENDES, JULIA CAMARGO, PEDRO HENRIQUE, RONALDO KNORICH, THAÍS TADAKI 

 

Referências